sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Diálogos

Bom Dia!



Ouvi algumas críticas sobre meu método de escrever, portanto para exercitar resolvi escrever 'contos' e gostaria da opinião de vocês ^_^
Eu que escrevo textos empresariais, relatórios, textos comerciais, dissertações... foi um desafio escrever um conto, tentar condizir a história em um ritmo agradável... espero que gostem!




Diálogos


Ela chegou no local do encontro. Ele estava lá, sentado no banco daquela praça, fumando um cigarro e lendo um livro. O movimento na rua era calmo, a lua estava tão clara, que a luz dos postes quase não fazia diferença... Ela estava alí, parada em sua frente e aqueles segundos de silêncio pareciam eternos.

- Se eu for incoveniente, você fala? - ele perguntou seco.
- Tranquilo... se você for incoveniente eu falo.
- Tá muito ocupada¿ Senta aqui. – estendendo a mão para conduzí-la até o banco ao seu lado.
Ela estava com a pele fria e trêmula, seus movimentos eram rígidos e seu olhar estava perdido. A confusão e a falta de compreensão do que acontecia a assustava. Por um momento, ela exitou, mas sentou-se sem a ajuda dele.
- Vai acordar cedo amanhã? - Ele parecia realmente preocupado se estava atrapalhando a rotina dela com aquela conversa.
- Sim, mas isso não é problema... – e sorriu.
- O tempo passou né?
- Muito... se você pensar... são 9 anos.
- E somando tudo, eu... te tratei mais “bem”, “mal” ou “nada”?
- Desculpa mas não tem como somar tudo... Se você pensar, foram fases e cada uma passou do modo que deveria ser passado. Como em um gráfico, então houve momentos positivos, negativos e neutros... – sua voz tentava ser firme, mas havia uma certa insegurança na fala... ela tentava não deixar as emoções transparecerem – Hoje... atualmente, eu considero no “nada”. Não tenho mágoa de você, nem rancor dos momentos ruins.
- Eu sei... eu sei... só queria ter uma idéia mais “lírica” de você, talvez mais cruel se necessário... sabe o que é? - ele respirou fundo e olhou profundamente nos olhos dela – Sinto essa saudade e esse carinho por você.
Ela não sabia o que dizer ou como reagir, ficou alí... atônita por alguns segundos. Ele então, tentando não perder o foco disse:
- Você falou de momentos ruins...
Isso foi uma pequena faísca e ela levemente se exaltou:
- Sim Sérgio! Tiveram momentos ruins... Que naquela época eu não compreendia, que me fez sofrer, que você me machucou. – então a voz foi diminuindo - Situações que construiram parte de quem sou hoje...
- Você é linda hoje! – ele interrompeu-a e segurou suas mãos. Isso a desarmou novamente.
- Em que sentido?
- Não posso dizer se te conheço mais, mesmo querendo saber, mas acredito que você é a imagem que eu tenho sua para mim e a beleza a qual eu falo é física, emocional e aquela que eu acho que é só minha.
- E depois de todo esse tempo, qual imagem ainda tem de mim? - ela deu uma risada levemente sarcástica
- Você é alguém maravilhosa que eu sempre quis descobrir...
- É... de certo modo, é engraçado ouvir isso agora.
- Você sempre diz isso...
- Toda vez que a gente se esbarra por aí, você diz que vai me ligar para a gente conversar, tomar um café ou uma cerveja... e some...
Ele solta as mãos dela, ascende um outro cigarro disfarça o nervosismo passando a mão no cabelo. Solta uma risada meio sem graça e diz:
- É engraçado... e difícil para mim. Isso... agora... como todas aquelas vezes, é uma tentativa... Eu sou culpado por algumas coisas, mas isso não quer dizer que eu sempre soube o que eu tava fazendo ou o que fazer... Eu me importo com você! Sinto falta...
- Olha Sé, como eu já te disse inúmeras vezes... Eu nunca vou virar as costas e dizer que não serei sua amiga ou que não vou falar com você... Eu também me importo e sinto falta... Não só de você, mas de muitos que abriram mão de mim... em vários sentidos.
- E agora?
- E agora que eu sou uma pessoa que guarda o significado bom que as pessoas tem para mim... e se um dia elas quiserem reaparecer na minha vida, será essa a imagem que eu terei delas.
Ele apagou o cigarro e jogou a bituca longe, olhou para ela novamente, passou a mão em seu rosto, descendo para o ombro e lentamente conduzindo-a deitar em seu colo. Olhando delicadamente nos olhos dela, ele continuou...
- Só uma coisa... no colégio... em uma aula de educação física, todos jogavam futebol, só que tínhamos que ficar de mãos dadas com outra pessoa enquanto jogávamos... eu... fiquei com você... lembra?
- Vagamente... – ela respondeu com dúvidas no olhar.
Sérgio virou o rosto, desesperançoso e disse: Então deixa...
- Porque? Você quer saber se eu lembro das coisas que aconteceram?
- Mais ou menos... E você lembra?
- Eu lembro de muita coisa... ainda tenho os textos e poemas que você escreveu... e os que eu escrevi na época..
Ele interrompeu surpreso perguntando: Você escreveu? Porque?
O olhar dela ficou distante e a voz era fraca, mas após um grande respiro ela respondeu: - Porque era meu jeito de expressar a dor que eu sentia, a falta de compreensão que tinha e era um jeito de que me fazia sentir mais próxima de você...
- Eu quis dizer... porque depois de todo esse tempo, você ainda guarda os textos e tudo?
- Porque tem muita coisa que eu guardo, não consigo jogar fora, porque tem um significado para mim... são coisas que contruiram quem eu sou hoje. Há anos falo que vou digitar tudo e jogar a papelada fora, mas toda vez que eu paro em frente a minha pasta e começo a ler , vou lembrando de varias coisas que aconteceram... e daí eu nunca jogo... não consigo.
Sérgio começou a acariciar os cabelos dela e olhar para o céu, os pensamentos comiam sua fala... a dúvida corria no ar... até que ele arriscou continuar a conversa:
- O que você achava que eu era, para você gostar de mim?
Dessa vez os olhares se encontraram e aquele olhar perdido dela toma foco... então ela solta as emoções:
- É... algumas coisas são difíceis de explicar e parecem meio sem razão... mas você era único, singular, tinha uma concepção de amor e de romantismo diferente, não era só carnal como a maioria dos rapazes, era algo superior a isso... tinhamos gostos em comum, conseguíamos ter uma boa conversa... eu gostava de você porque você tinha uma visão aberta... um olhar para o horizonte... e você me fazia bem... a gente conversava, se divertia, se entendia e isso fez crescer esse carinho... na época, eu só queria retribuir tudo isso... Eu ficava triste e inconformada em te ver se matando por gente que nem se preocupava com você... e o minimo de esperança que parecia ter, era quase o paraíso... mas eu aprendi muito com tudo isso... demorei anos para compreender muita coisa... por isso que digo que faz parte de quem eu sou hoje...
- Não sei... O que você pensaria se eu falasse que amo você? ....eu não sei o que fazer... queria amar, fazer amor com você, compensar você, conversar com você, te abraçar, queria pegar nas mãos a dor que você sentiu e sente e transformá-la no seu brinquedo favorito e brincar com você... mas eu acho que... não dá, não importa o que eu fale ou faça. Eu me sinto culpado pelo que aconteceu e pela dor que você sentiu.
Ela se levantou e com o sorriso mais belo e singelo que ele já viu, foi ao ouvido dele sussurar. O cheiro do perfume o embriagava e Sérgio fechou os olhos para ouvir.
- Não sinta-se culpado, não guardo mágoas... se te conforta, você tem o meu perdão. O que aconteceu está feito, mas agora é tarde demais... – ao voltar delicadamente deu um beijo no rosto dele.
Ele ficou alguns segundos parado, com a mão em cima da buchecha que foi beijada e ao abrir os olhos viu que ela caminhava para trás com o mesmo sorriso no rosto. Foi embora e depois disso eles nunca mais tiveram oportunidade de sentar e conversar, mas toda vez que ele passa por aquele lugar, sente o beijo daquela garota e caminha cantando a mesma velha canção:
“And a dirty hat pulled low across my face, through cupped hands 'round a tin can, I pretend to hold you to my breast and find, that you're waitin' from the back roads, by the rivers of my memory, ever smilin', ever gentle on my mind”

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